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Só uma mensagensinha

Senhor Ministro das Finanças, Sr. Primeiro Ministro, Exmos. membros do Governo, Senhores Deputados e políticos em geral,

Dirijo-me a V. Exas. para vos deixar uma mensagensinha singela mas sentida.

Mas antes da mensagem que vos quero deixar, não posso deixar de enquadrar V. Exas., o que desde já passo a fazer.

Sou uma contribuinte da classe media, aquela com que vossas Exas. pretendem, firmemente e sem contemplações, acabar.
Não nasci nem cresci em berço de ouro. Sou, pelo contrário e com muito orgulho, filha de pessoas humildes, que bastantes sacrifícios fizeram para que eu pudesse estudar e ter um curso superior, o primeiro na família chegada. E que me transmitiram muitos e bons valores, não sei se sabem do que falo, talvez não...

A minha mãe, cabeleireira de profissão, começou a trabalhar com 11 anos e faz descontos para a segurança social desde os 15. Tem 62. Reformou-se este ano mas com penalização pois tem menos de 65 anos e como é trabalhadora por conta própria não tem direito à reforma por invalidez, a não ser que, suponho, estivesse tetraplégica. Felizmente não está. Tem só uma serie de hérnias na cervical, os pés e mãos completamente deformados pelas artrites ou artroses, um tendão do ombro que com o esforço de uma vida de trabalho e do movimento decorrente do acto de secar cabelos se rompeu e deu azo a uma intervenção cirúrgica de reposição, com a inerente fisioterapia durante mais de um ano e uma recuperação a muito menos de 100%, e o tendão do outro ombro a ir pelo mesmo caminho.
O meu pai, empregado bancário, reformou-se também este ano, antes que o obrigassem a trabalhar até aos 70 anos. Aproveitou os anos de descontos em que esteve na tropa e o facto de os bancos ainda terem um regime paralelo.
Os meus pais moram na mesma casa há 36 anos, casa que pagaram com muito esforço. Têm um único carro, de marca Renault, pois como não são ministros nem deputados não podem fazer flores com dinheiro dos outros.

Eu, eu estudei numa universidade publica onde entrei com media de 18 valores. Terminei o curso com 14 valores de media. Durante o curso fui fazendo uns trabalhos para ganhar uns trocos e juntar dinheiro. Nas ferias de Verão, pelo menos um mês. Fora das ferias, sempre que aparecia alguma coisa.
Enquanto fiz estagio de advocacia trabalhei num banco à noite, a fazer atendimento telefónico, tudo para, imagine-se a estupidez, ter uma vida melhor. Depois trabalhei durante mais dois anos em dois locais em simultâneo, saía de casa às 8h da manha, quando terminava um trabalho ia para o outro, donde saia nunca antes das 23h, isto de segunda a sexta pois ao sábado dava-me ao luxo de trabalhar só num emprego, das 09h à 18h/19h, e aos domingos cometia a extravagancia de descansar ou trabalhar só umas horas em casa.
Comprei uma casa. Dei uma entrada com o dinheiro que fui juntando e mobilei toda a minha casa com dinheiro que eu ganhei.
Tive um filho e passados 15 dias comecei a trabalhar a tempo inteiro, no escritorio. Troquei de casa, para uma maior. Podia ter comprado uma ainda maior ou ainda melhor mas, ponderada que sou, não quis dar um passo maior que a perna.
Fui trabalhar para uma empresa, onde tive outro filho, aqui já com licença de maternidade. Mas trabalhei durante toda a licença, a partir de casa (diariamente) e na sede da empresa (uma vez por semana, com o meu filho dentro do ovo). Fi-lo porque quis, não porque alguém me tivesse obrigado ou coagido. Fi-lo porque sou responsável e porque tenho uma profissão em que os problemas e as questões têm timings para ser tratados. E porque acreditei, ingenuamente, que apenas a trabalhar arduamente podemos progredir. Afinal bastaria meter-me na política e andar a lamber o traseiro a algum influente.... Estamos sempre a aprender!
Tenho uma doença crónica e não só nunca pedi a isenção de taxas moderadoras a que tenho direito (por achar que as minhas condições económicas não justificavam tal isenção) como me submeti a um tratamento bastante complicado em tempos físicos e psicológicos sem faltar um único dia ao trabalho e sem "meter" a baixa que podia ter "metido" e que implicaria que a previdência social custeasse o meu salário durante mais de 5 meses. Burra!
Em 2009 resolvi voltar à vida de advogada de Escritorio, por conta própria, situação que mantenho até hoje. Comprei o meu primeiro carro novo ( até aqui apenas tive carros em segunda mão), um bom carro é verdade, mas meu, pago com o meu dinheiro. Tenho empregada em casa, a quem pago a tempo e horas, com descontos para a segurança social, subsidio de Natal e ferias, imagine-se!
Tenho os meus filhos numa escola publica, por opção, porque me sinto no direito de exigir uma escola publica de qualidade e de lutar por ela. Por isso meti-me na Associação de Pais, ocupando assim parte do meu tempo de lazer a desempenhar um papel de cidadã empenhada. Cidadania, deveres cívicos, participação cívica, não sei se vos diz alguma coisa.... Talvez não pois como não é tacho nem traz regalias associadas (muito pelo contrario) não deverá fazer parte da vossa realidade....

Trabalho muitíssimo, em horário normal, à noite, sábados, domingos, feriados, quando tem que ser. Trabalho praticamente todos os dias nas minhas ferias. Estou rodeada de pessoas com problemas e faço o meu melhor para as ajudar, às vezes quase de borla. Pago uma brutalidade de impostos. Tento ser uma boa pessoa.

E agora vêm V. Exas. dizer que eu, como sou rica (??!!!) ainda vou pagar mais impostos, sendo que no meu caso e como trabalhadora independente que sou serei duplamente penalizada, como é do conhecimento publico.
Ou seja, pela primeira vez na minha vida sinto que não terei qualquer beneficio em trabalhar mais e ganhar mais, muito pelo contrario...Pela primeira vez na minha vida dou por mim a pensar em formas de contornar as minhas obrigações fiscais, em fugir da situação que sempre acreditei ser a correcta, a de ser honesta e pagar os meus impostos, a de trabalhar e contribuir para o crescimento, o meu, o da minha família, o do meu país.
Há algum tempo que deixei de acreditar em Deus. Há algum tempo que deixei de acreditar nos políticos. Mas agora não acredito neste país. Nem no futuro. Agora não consigo transmitir aos meus filhos que o futuro depende de nós e do nosso esforço porque isso não é verdade, como está bom de ver. Agora tenho ganas de lhes dizer, aos meus filhos, que estamos entregues a um bando de cabrões que se andam a encher à nossa conta há décadas e que somos governados, sistematicamente, por uma cambada de filhos da puta que mais não fazem do que tratar dos seus interesses e que mesmo nesta altura em que pedem sacrifícios ao povo não prescindem de nada. Nem das reformas que acumulam. Nem dos carros de luxo. Nem das dezenas de secretarias e motoristas. De nada.
Agora dou por mim com vontade de dizer aos meus filhos que não devem ter medo do papão ( que só existe nas historias infantis) mas sim dos governos e dos políticos. Esses sim, é que nos fazem mal e dão cabo de nós. Esses sim, é que andaram a viver à grande, gerindo este país ao arrepio de todas e quaisquer normas de boa gestão, assumindo compromissos impossíveis de cumprir, somando dividas atras de dividas, que nós e eles (filhos) vão ter que pagar.

Por isso meus senhores, a mensagem que tenho para vocês é simples: VÃO PARA A PUTA QUE VOS PARIU! Mas é de coração...

1 comentário:

  1. Gostava, sinceramente que esta carta fosse lida por toda a gente e que fosse sentida como eu a senti e ainda que pudesse ter o condão de mudar mentalidades cegas que seguem os destrambelhados mentais que nos sugam o sangue e os sonhos.
    ...como eu te entendo e agradeço a facilidade com que espelhas aquilo que me vai na alma; Continua com essa nobreza de pensamento...

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