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Dou-vos cabo do couro, ouviram bem?

Até compreendo que pais e mães não ligados à area do Direito fiquem contentes quando os seus filhos resolvem estudar Direito e seguir advocacia. É por tradição uma profissão de algum prestigio, em que existe a possibilidade real de se ganhar algum dinheiro e ter uma vida financeiramente confortável,  embora já não seja o que foi noutros tempos. Mas na verdade nada é o que era e um filho advogado é um filho advogado.
Agora que pais e mães advogados fiquem contentes pelo facto de um filho ou filha lhe seguir os passos é algo me me transcende,  honestamente. Contentes porquê? Qual é o motivo de contentamento?

Os advogados (pelo menos a maioria deles):
- estudam durante uns bons anos (agora menos que antes, por causa do malfadado Tratado de Bolonha), lambem livros atrás de livros, têm disciplinas que não interessam ao demo, para acabar o curso, na maior parte das vezes com médias miseraveis (e com uma miopia,  de tanto ler);
- a seguir ao curso, têm que fazer um estagio obrigatório de dois anos (isto se tudo correr de feição),  a maior parte das vezes não remunerado ou escandalosamente mal remunerado, sendo certo que se quiserem ter alguma hipotese têm que trabalhar arduamente,  muitas horas por dia, muitos fins de semana,  ao mesmo tempo que fazem provas na ordem profissional das quais depende a sua continuação na carreira (de referir que esse estagio na ordem profissional é pago e não é propriamente uma pechincha);
- acabado o estagio, e se abraçarem a profissão,  têm uma vida,  digamos, dura: leis que mudam todos os dias, processos que se arrastam nos tribunais, clientes que fazem tudo mal e depois os procuram para os milagres (esquecendo-se que os mesmos, a terem lugar, devem ser pedidos lá para os lados de Fátima,  a uma tal de Maria,  e não aos senhores doutores), clientes que pensam que os advogados,  além de os representarem num determinado processo ou assunto, são amigos, psicólogos,  confessores,  conselheiros matrimoniais e o diabo a quatro,  clientes que não respeitam dias nem horas e pensam que os advogados não têm familia, não almoçam,  não jantam,  não têm ferias nem fins de semana, não têm contas para pagar, nada, são uns seres que existem pura e simplesmemte para os auxiliar a viver as suas vidas, a troco de uns honorarios que pagam tarde e a más horas e que muitas das vezes, feitas as contas ao tempo despendido,  acabam por ser metade do valor hora de uma empregada doméstica (sem qualquer desprimor para a empregada doméstica);
- trabalham sistematicamente sob pressão, pressão dos prazos (que aparecem a cada esquina,  inviabilizando qualquer tentativa de planificar antecipadamente o dia - planear a semana é, obviamente, uma utopia),  pressão dos clientes (que acham que os advogados só têm em mãos o seu assunto e que se telefonarem assim que acabarem de enviar o email com os documentos que ficaram de enviar há duas semanas o advogado vai parar tudo, imediatamente,  para tratar do seu assunto), pressão  dos próprios assuntos que tratam (que são essencialmente problemas, problemas todo o dia,  todos os dias de todas as semanas de todos os meses de todos os anos);
- têm o azar de nunca despirem a pele de advogados,  nem nos jantares de familia, nem nas festas de aniversario, nem no Natal, nem nos casamentos ou batizados (nos funerais então é a loucura). É verdade, mesmo nessas ocasiões há sempre um familiar, um amigo, um conhecido que tem um problema com o patrão ou o empregado,  um divórcio, um poder paternal, uma divida, um problema no condominio, um cliente que não paga, uma questão de heranças e partilhas, um plasma com um defeito qualquer, e já que estamos ali todos, a velar o morto ou a cantar os parabens e a comer croquetes, aproveita para ter consulta juridica de borla (afinal é só dar uma opiniao e quiçá escrever uma cartinha, como se fosse assim,  meter a ficha e sair a opinião ou a cartinha); isto para não falar dos "amigos" que só se lembram que o advogado existe e é (ou foi) seu amigo quando têm uma duvidazinha juridica ou querem uma opinião (e nao hesitam em ligar, mais uma vez a pedir conselho juridico à borla, até porque são amigos nao obstante não conhecerem os filhos do advogado, não verem o advogado nem falarem com ele há anos, nem sequer para lhe darem os parabéns no aniversário mas já se sabe, a vida é uma correria);
- trabalham que nem uns cães, num trabalho desgastante, sempre a estudar, agarrados a leis e ao computador, e chegam ao final do dia com a cabeça feita em água, sendo que muitas das vezes é impossivel fechar a porta do escritorio e tirar o chip, pois os problemas para resolver,  a definição da estratégia a seguir em determinado processo,  o espectro dos prazos dos dias seguintes não os largam, ficam sempre ali a pairar.
Claro que a profissão também tem coisas boas embora agora de repente não me ocorra nenhuma digna de registo.

Isto tudo para dizer que se algum dos meus filhos, algum dia, tiver a infeliz ideia de querer ser advogado não só leva a maior tareia da sua vida como é expulso de casa. E falo muito a sério.

1 comentário:

  1. Olhe eu acho que sim! Nós pais, profissionais, temos o dever de proibir tudo o que moleste os nosso filhos. Estou consigo!

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