Querida Avó,
Hoje partiste. Foste em paz, disse o médico. E eu acredito.
Quero acreditar que depois destes dias de sofrimento o teu Deus te levou para
junto dele, tranquilamente, com serenidade, como mereces. E eu tenho vindo a
pedir ao teu Deus, nestes dias, que assim o fizesse. Se calhar ele ouviu as
minhas preces, se calhar o teu Deus, no qual com o tempo e com a vida deixei de
acreditar – para teu grande desgosto, bem sei –, existe mesmo e olhou por ti,
para que parasses de sofrer.
Sabes avó, custa-me muito ver-te partir, saber que não mais te
vou ver nem abraçar. Mas custava-me mais, acho, ver-te como tens estado, por
isso creio que apesar da tristeza imensa estou mais aliviada. E tu também. Principalmente
tu minha avozinha querida.
Nestes dias tenho visto passar à minha frente estes quase
quarenta anos, dos quais sempre fizeste parte, em todos os momentos e fases.
Lembro-me da infância, em que me levavas contigo para o
trabalho, lá íamos nós no 26, eu toda contente com a minha avó, tu toda
contente com a tua neta. Costuravas cuecas para os meus bonecos, exibias-me com
orgulho às tuas colegas, lembras-te avó?
Lembro-me do teu arroz doce, o melhor que alguma vez comi e
que que comerei em toda a vida, não tenho dúvida. Lembro-me do teu cozido à
portuguesa, dos sábados de carapaus assados no fogareiro da varanda, das
pataniscas de bacalhau.
Lembro-me do teu fato de banho azul. De teres caído à beira
mar com água pelos tornozelos e de nos escangalharmos a rir. Na praia do
Carvoeiro. Lembro-me como se fosse ontem.
Lembro-me de ter ficado em tua casa durante 10 dias, quando
estava a estudar para entrar na Católica. Levavas-me leite quente antes de ir
dormir, que não podia estar a estudar de barriga vazia, e levavas-me o pequeno
almoço de manhã…
Lembro-me de durante anos ir a tua casa pelo menos uma vez
por semana e ficar a falar contigo horas. Tínhamos ideias e ideais tão
diferentes! Mas ouvias-me e eu a ti.
Nunca chegávamos a grande conclusão mas passávamos bons momentos juntas.
Lembro-me de tanta coisa avó, tanta coisa. Foste uma mulher e
peras. Sempre aqui para mim, para todos nós. Com o teu feitiozinho soviético, é
verdade – o teu filho, meu pai, saiu a ti e eu saí ao teu filho – mas sempre a
viver pelos outros, pelo bem estar dos outros. Às vezes até demais.
E agora que partiste avó, apesar de muito triste – que estou –
não posso deixar de me sentir uma privilegiada por te ter tido como minha avó e
por ter tido comigo durante quase quarenta anos. Não posso deixar de me sentir
grata por tudo o que foste para mim, para tudo o que representaste na nossa família,
por tudo o que foste. Tiveste dois filhos maravilhosos, que te amam tanto
quanto os amaste. Dois filhos que estiveram sempre contigo, de corpo, alma e
coração. O meu pai e a minha tia quase mãe. Deves ter um orgulho imenso, eu sei
que tens e não é para menos, fizeste um bom trabalho.
E sabes avó, é isso que me enche o coração, saber que sempre
foste amada e sempre nos amaste, que sempre tiveste orgulho em nós e sempre nos
orgulhaste, que farás sempre parte das nossas vidas porque estarás sempre
sempre sempre no nosso coração.
Gosto de pensar que a vida tem o seu tempo, que tudo tem um princípio
e um fim e que o fim não é necessariamente mau, é o que tem que ser. E tento
aceitar isso. Com a certeza de que continuarás a olhar por mim. Com a promessa de
que tudo farei para te continuares a orgulhar de mim e nunca te desiludir.
Minha avozinha querida. Segue em paz, quem sabe um dia nos
voltamos a encontrar. Amo-te muito. Amo-te sempre.